10 de set. de 2009

Melinda

Melinda tragou o cigarro com força. Franziu o cenho e cerrou os olhos, gostava de mais de fumar. Não do vício em sí, que consequentemente havia adquirido, mas sim porque achava bonito. Achava lindo. Era uma classe que surgia quando uma bela mulher segurava o cigarro, levando-o à boca, tragando, expelindo. E para finalizar, um sorriso. Devastador. Era disso que ela gostava, e tinha essa certeza, que, fumava com a mesma classe daquelas mulheres que tanto admirava na telona.

Fumava mais em público, mais para impressionar. Melinda sorriu e jogou o corpo para trás, a cadeira seguiu meio caminho, e quando sentiu que cederia, Melinda jogou o corpo para frente, ainda com um sorriso silêncioso no rosto.

Levantou-se e foi à cozinha. Pegou uma taça e na geladeira uma garrafa meio vazia de vinho, e ali mesmo, em pé, com o frio batendo em seu corpo semi-nu, coberto só por uma calcinha lilás, ela sentia o frio confortavel da geladeira, enxeu a taça. Guardou a garrafa e pensou duas vezes antes de fechar a geladeira. "A conta de luz esta vindo cara..." pensou, e fechou a geladeira antes de se arrepender. De novo. Novamente, e mais uma vez. Melinda se arrependia de mais.

Voltou para a sala, sentou na cadeira e mexeu nos cabelos negros como a noite elétrica lá fora. Um nó na barriga se formou e ela massagiou, sabia o que aquilo era. E o nó foi ficando frio, mesmo com aquele calor que fazia no centro-oeste, e por um segundo pensou em culpar a geladeira. E o frio se espalhou por toda a barriga. Mordiscou o lábio e sabia o que tinha de fazer. Com um único gole esvaziou o taça e correu para o quarto.

Abriu o armario com força e com aqueles olhos azuis quase purpúras fitou toda aquela fileira extensa de roupas. Coçou a nuca e se jogou na cama, ligou o som e correu para o banheiro.

Retirou a única peça de roupa que vestia e jogou-a no chão. A música avançava num ritmo lento e tomava conta do banheiro. Ela sorriu. Aquela música lhe agradava como poucas outras coisas o faziam. Ligou o chuveiro entrou, jogando o corpo acompanhado pela música.

A água caia sobre seu corpo e levava o cheiro dos dois dias sem um banho. E sob aquela água morna, Melinda dançava de olhos fechados.

...

Melinda dançava como se não houvesse amanhã. Suas mãos percorriam o ar traçando curvas invisíveis até chegar em sua cintura, e subiam lentamente, com os dedos desenhando uma linha sensual até sua cabeça, e as jogava novamente contra o ar. Os cabelos soltos dançavam a sua própria música e lhe mascaravam sorrisos de prazer e olhares provocativos.

Sozinha, naquela pista cheia e aperta, Melinda havia achado seu espaço. Quando chegou à pista sentiu olhares pecaminosos sobre si - e ela gostava. E a medida que dançava um espaço maior se abria, a atenção se voltava a solitária mulher que esbanjava êxtase na pista de dança. E seus olhos que corriam rápidos por tantos homens disfarçavam uma atenção em pontos cegos. Ela sabia que era desejada, mas tinha o medo da certeza. Pensou em um novo passo, e o fez. Melinda dançava como ninguem.

Ela sentiu uma pontada de tristeza lhe percorrer, como sempre fazia, ao dançar. Aquela solidão lhe parecia tão ridícula, sabia que podia escolher, sabia que era bonita. E naqueles olhares jogados com certa descrença, de quem procura, mas não quer, ela avistou alguem. E sentiu um caláfrio diferente na nuca, e os passos desacelerarem.

Ele não era exatamente bonito. Não era como aqueles belissímos homens da TV, altos, musculosos. Mas tinha uma certa presença, um olhar afetivo, um cabelo dessarumado com certo charme. Melinda dançava mais devagar. E entre uns goles e outros que tomava da cerveja em mãos, ele trocava olhares tímidos com Melinda. Ela jogou a cabeça no ritmo da música, e sorriu.

...

Melinda acendeu um cigarro e subiu as escadas, entre umas tragadas e degraus, ela pensava: "Devia ter agido?", "Homens que devem tomar a iniciativa", e chegou à saida. Melinda olhou para trás com certo remorso, queria ter beijado, se entregado a braços fortes, sentir a pele quente contra a sua. E se arrependeu. Mas não menos feliz, partiu.

Pensou em pegar um táxi para voltar para casa por causa da bebida. Mas não iria. E não queria ir embora de táxi. Decidiu caminhar, tomar um pouco daquele ar frio da manhã no rosto e sentir-se um pouco mais viva. Tragou mais uma vez e olhou para o céu que já misturava o azul do novo dia e o preto da noite passada.

Caminhou até a praça quando sentiu um calafrio subir-lhe a espinha, mas não causada por aquele mesmo vento frio, mas por outra coisa. Ela não hesitou em lançar um olhar sobre o ombro para ver o que lhe aflingia. Ela estava sendo seguida.

Melinda jogou o cigarro fora e apressou o passo. "Para onde ir? Não posso dar meia-volta e ir para o carros em topar com ele!", pensou enquanto com os olhos procurava uma rota de sucesso para a fuga que planejava em mente.

- Moça, seu casaco!

Foi quando ela se deu conta - ao ouvir a sombra que a perseguia - que havia esquecido, sim, o casaco. Parou por um momento, ainda atônita, para repaginar o que havia feito na noite. Sim, Melinda havia levado um casaco. Temerosa, com a bondade do estranho, deu meia volta e caminhou em sua direção. E para sua surpresa quase decepcionante, o mesmo homem que ela queria correu em sua direção não só com o casaco em mãos, mas com a outra fechada que acertou em cheio seu rosto. Melinda desmaiou, com uma certa felicidade, e encontrou o chão com um sorriso invenjável.

5 de mai. de 2009

Capuccino - 13ª Parte

Meus olhos se enxeram de lágrimas. Mas eu não podia chorar. Homens não choram, porra! Então resolvi sorrir, e naquele mesmo instante que sorri, me senti mais homem. Nada seria como antes.


Mamãe colocou um pouco de café em uma xícara pra mim, e uma cinquenta e um pra ela em outra. Como sempre dizia: "Uma fortinha pra começar bem o dia", não apenas começava o dia, mas como passava o resto do dia e doo jeito que ela era, aposto que aquele café nem era de hoje, talvez de meses atrás. Vá saber o que aquela vaca velha tem feito.


Com um sorriso meia boca me serviu o café e se sentou em minha frente com a xícara em mãos. Cruzou as pernas, devia achar que era a mesma de cinquenta e um anos atrás. Aquele corpo velho e pesado já não era mais atrativo. E mamãe se achava um pitel...


- Que bundinha mais quente - sussurrou o píres para a xícara - Isso tudo é saudades do Lindo?


Soltei um sorriso sem graça, como quem ri, por educação, de uma piada antiga e já contada mil vezes. Peguei a xícara em uma das mãos e cherei aquele café. O cheiro era detestável. Nem o pouco açúcar disfarcaria o nojento gosto que estaria por vir.


Resolvi engolir aquilo logo mesmo, aquele velho café que parecia tão velho quanto mamãe. Que desçeu amargo e infeliz pela minha garganta e quis parar por lá, fiz um certo esforço para que fosse para o estomago para, por fim, me deixar em paz.


Mamãe bebericou sua xícara que já estava pra lá de bebêda. Olhou para os lados desviando seus olhos dos meus e procurando assunto em algum canto da cozinha, ou nos objetos que nos olhavam aflitos e esperançosos. Mais esperançosos e aflitos que nos dois alí sentados, e perdidos, provavelmente, em pensamentos passados e na busca de algo para o futuro, entre nos.


Mamãe soltou um sorriso, colocou a xícara no píres que suspirou e deu uma leve giradinha sem sair do lugar e voltou seus olhos sedentos para mamãe. Já mamãe levou as mãos ao colo e as cruzou. Parecia tão comportada. Parecia uma mãe. Me olhou desconcertada e soltou um sorriso sem base, de dentes amarelos escuros e bebericou novamente a sua xícara.


- Pois bem, Adalfolindo... - e procurou nos cantos novamente - Quando você saiu de casa, nos mal notamos, acredita num negocio desses? Acho que se passaram alguns anos até seu pai tocar no seu nome novamente.


E uma das mãos percorreu o braço como quem ta com frio e suspirou. Encarou o chão como procurando as palavras certas, e ficou inerte por um momento, quando seu semblante ficou sério, voltou a tagarelar.


- Foi estranho, sabe? Ele falou: "Adolfinho, me tráz meu cigarro seu filho da puta!", e voltou a ler o jornal. Ai ele notou que você não trouxe o cigarro e foi te procurar no quarto e não te achou. Ai veio me procurar, é claro, me perguntando onde 'cê tava, eu falei que devia 'tá no seu quarto. Ai já sabe né? Sentamos e te gritamos mais um pouco até resolvermos te procurar na casa. Quando terminamos de procurar, e olha que procuramos por toda a casa, voltamos pra sala, sentamos no sofá e nos olhamos. Aquele velho safado soltou um sorrizinho colocou a mão na minha coxa e se estabacou de tanto rir. Aí eu segui ele, ri primeiro assim, sabe? Como que obrigada. Mas foi bom, sabe? Obrigada meu filho.


Ela levou a sua mão em direção a minha e sorriu agradeçendo e com a outra tomou outro gole da bebida.


- Muito obrigada meu filho - repetiu -.

3 de abr. de 2009

Capuccino - 12ª Parte

A porta se abriu. Uma lufada de vento quente bateu contra meu rosto e provocou aquele tipo de cena típica de filmes de comédia, em que o rosto se achata contra o vento forte de mais. Me senti zonzo e aquela voz soou familiar pelos meus ouvidos.

- Meu bem... É você?

Era o tipo de pergunta idiota que se esperava da mesma velha idiota que segurava a camisola lilás com flores multi-coloridas contra o corpo e parecia rasgar o tecido se aplicasse um pouquinho mais de força - que talvez ela nem mais tivesse.

Vi seus olhos enxerem de lágrimas. A boca abrir mais uma vez e tentar balbucinar alguma palavra, mas que naquele exato momento em que eu me levantava do chão, escapou. O meu rosto, a medida que eu levantava, era inundado pelo sol que entrava pelas enormes janelas logo atrás da senhora na grande e vazia sala. E aos poucos que voltava a mim, e voltava a minha imponente posição, ela soltava a camisola, e as veias verdes saltavam risonhas em sua mão, a largura dos olhos, incrivelmente, aumentavam. E os lábios se colaram.

O sol em meu rosto era agradavelmente quente, me perguntei naquele segundo se esse sol era o mesmo de antes. O mesmo sol de sempre, porque agora, era estranhamente mais agradável do que anos atrás. Ergui minhas mãos em frente ao meu rosto. Já não pareciam aquelas mãos jovens e maculadas de antes. Como se, inexplicavelmente, tivessem amadurecido.

- Adolfolindo! - gritou a senhora me puxando do meu transe tão gostoso - É você!

Olhei pra tráz e soltei um sorriso ao ver aquele rastro. Como uma lesma ao caminhar deixa aquela gosma estranha. Eu tinha a minha.

Voltei àquela senhora que se mantinha parada logo a minha frente. Sua mão percorreu o caminho até meu rosto. Sua pele velha na minha pele nova. Um certo sentimento constrangedor saltou e me tomou junto aquele abraço indiferente.

Um sorriso se fez no seu rosto enrugado. Onde o pesar do tempo puxava cada centímetro da sua pele em direção ao chão. E era estranho ver que o chão ansiava por ele. Muito estranho. Os olhos, mais escondidos, brilharam e ela me desferiu um tapa no rosto.

- Moleque! Você nos preocupou! Pelo amor do bom e poderoso Deus, por onde você andou?

Ela me puxou pra dentro com uma força misteriosa, já que era velha de mais. Entrei na sala. A mesma sala de antes. Aquelas enormes janelas que pareciam olhos, ainda olhos. Aquele velho sofá vermelho sujo contra a parede, aquela velha televisão do outro lado. Aquela velha sala. E trancou a porta logo atrás de mim.

Os olhos da sala eram convidativos. Como os olhos de alguem em uma multidão quando você esta terrivelmente só. E você vê, vê que é irrecusavel. Até aquela velha me tomar pelas mãos e me tirar da sala.

- Sabe, nos primeiros anos não nos preocupamos tanto. Mal notamos que você tinha sumido, acredita?! - e ela riu descontraida e levou a mão contra o colo enquanto jogava a cabeça pra tráz e os cabelos brancos se perderam da faminta presilha que salivava em sua cabeça - Vem, vem comigo. Seu pai vai chegar mais tarde, deu uma saídinha, sabe como é, né?

E me guiou pela porta até chegar naquele enorme vão que levava aos outros quartos e a cozinha, aonde nos dirigiamos.

Ela deu uns tapinhas em minha mão ao chegarmos na cozinha. Era como uma foto. Procurei por um simples detalhe que fugia da foto em minha mente, mas nada escapava. Ela me fez sentar na mesa redonda, fria e cinza enquanto buscava no armário o bule, umas xícaras e seus conjuntos.

- De volta para casa, Adolfolindo? - disse a xícara com um ar todo sarcástico - O bom filho sempre retornar à casa, não é mesmo?

Apoiei meus cotovelos na mesa, apoiei minha cabeça nass mãos e deixei que me apoiasse aquilo que acreditava ser agora.

- Não ponha a merda do cotovelo na mesa Adolfolindo! - esberrou a senhora enquanto pegava o coador e uma cinquenta e um no armário -.

- Sentimos saudades meu Lindo. Todos nos. - gritaram em uniossono tudo aquilo que estava lá -.

11 de mar. de 2009

Capuccino - 11ª Parte

Abri a porta do elevador. O elevador verde. Tanto tempo havia se passado e mesmo assim, aquele maldito elevador continuara igual. Mesma cor. Mesmo espelho sujo. Mesmos botões brancos e velhos com o cinco levemente apagado.

Olhei para o meu reflexo. Fiz algumas caras e bocas vendo o esticar da minha pele. Passei a mão pelo rosto até o cabelo bagunçado. Estava tudo tão quieto. Estava tudo tão triste. Afogado naquele barulho estranho e chato que o elevador produzia, e aquele frio indecifrável havia me tomado o estômago novamente. Apoiei minhas mãos contra o espelho e respirei com certa dificuldade.

Sabe quando um monte de coisa vem à tona em sua mente, involuntáriamente, puxada por algum fato ocorrido há pouco, ou outro pensamento avulso? É desenterrado, como um defunto escondido após um assassinato, e o seu revelar traz consigo aquele cheiro repugnante e a aparência torpe? Sabe? Queria ter deixado-o ali, enterrado. Esquecido.

Ou enterrado mais fundo para não econtra-lo. Aquele pensamento que me acompanhava desde aquele reencontro tão infeliz. Mais fundo.

E aquele frio estranho me abandonou e deu lugar a um calor insuportável que queimou minhas entranhas tão rápido que me fez retorcer ali mesmo, em frente ao meu reflexo que me encarava com uma pitada reconhecida de ódio e raiva mista num sorriso alegre. Foi quando após um solavanco igual aos anos passados o elevador verde parou. E eu me reconstrui.

Abri a porta e o elevador verde me cuspiu. Me cuspiu com tanta força que tropecei e fui de encontro ao chão logo em frente a porta de meus pais.

- Que nojo! Que nojo! Que nojo! - gritava histericamente o elevador - Pelo amor de Deus, use as escadas da próxima vez! Que nojo!

E continou a gritar enquanto descia. Era possivel ouvi-lo reclamar lá do térreo. Blasfemou e xingou alguns nomes pesados que fugiam da minha mente adulta. Olhei para os lados para ver se tinha chamado a atenção de mais alguem no andar. Nada.

Juntei minhas mãos e entrelaçei meus dedos. Estralei os dedos. Balançei as mãos. Coçei o nariz. Para, por fim tocar a campainha. O mesmo e velho "ding-dong", uma nostalgia recusavel, mas agradável, me percorreu o corpo com tanta delicadeza que a abraçei com maior desejo possivel. O temor da espera, do que estava por vir caso alguem abrisse a porta, estava ao meu lado, tão excitado querendo me ter, mas aquela nostalgia agradável era o melhor que eu podia escolher.

Foi quando ouvi aquele gemido da fechadura ao ser penetrada e o leve girar dentro de si. O tilintar das outras chaves ansiando também por aquele prazer. E o ranger agoniante da velha porta ao ser aberta.

19 de fev. de 2009

Capuccino - 10ª Parte

Um lar. Eu morei aqui. Com eles. Com o que um dia já foram meu pai e minha mãe...

Gargalhei enquanto algumas lágrimas escorriam pela meu rosto. "Sim, sim, sim!". Sim, sim, sim, eu já morei aqui. Antes de fugir. E aqueles dois? Aqueles dois velhos loucos. Morariam aqui, ainda? Quantos anos, quantos malditos anos se passaram? Vinte e cinco anos. Vinte e cinco anos desde que fugi daqui. Suspirei.

Limpei as poucas lágrimas que mancharam meu rosto e olhei para o prédio. Se não fosse a tinta que tentava esconder os anos. Os escândalos. As rachaduras. Se não fosse a tinta branca e azul, não poderia dizer o quão doente era aquele prédio. Tive de sorrir. Não vi outra saída.

Avançei para o térreo. Pelo menos ainda era o mesmo chão. Preto, cor de piche e refletia cada um de nossos passos. Naquele momento a mesma pergunta de trinta anos atrás me voltou como um disparo na cabeça: "De que é feito a porra desse chão?".

Fui em direção a última guarita. Me lembrei que não tinha uma chave, não teria como entrar e subir. Olhei ao redor e vi a portaria. Segui em sua direção, podia ver que tinha alguem lá dentro, com cabeça baixa - e raspada - mantinha-se meio acordado naquela noite. "Que horas são?". Bati algumas vezes contra o vidro até o homem recobrar a consciência total e me encarar com os olhos esbugalhados.

- Olá, eu gostaria de saber se os Clementes ainda moram nesse prédio - perguntei pelo pequeno buraco que levou minha voz até ele -.

- A-Adolfinho?! - perguntou com uma surpresa ímpar o porteiro -.

Uma ânsia de vômito tomou conta do meu estômago, e segurei minha barriga com uma das mãos enquanto com a outra disfarça uma tosse. Apenas uma pessoa, até hoje, me chamava de Adolfinho com aquele sotaque. Aquele. Apertei minha barriga com força puxando a camisa para frente numa tentativa vã de rasga-la.

- Sim - respondi evitando olhar em seus olhos - Sou eu.

- Pelo bom Jesus todo poderoso! Sim, seus pais ainda moram aí menino! Eu vou abrir pra você! - e com um apertar de botão seguido de um estridente som a porta lá longe havia se aberto. E seus olhos marejaram - Pode ir menino!

Enquanto seguia em direção a ultima guarita ouvi o que parecia ser uma reza carregada pelo forte sotaque nordestino do porteiro. Raimundo. O porteiro Raimundo.

28 de jan. de 2009

Capuccino - 9ª Parte

A capital era bela. Tivemos de desacelerar. Tinha umas máquinas nos postes que tiravam fotos e nos multavam. O povo dava um nome de passáro pra eles. Pardal... Eu acho... Isso! Pardal! Era esse o apelido que davam para aquelas pequenas máquinas presas aos postes. Me perguntei o por quê desse apelido tão ridiculo. Não tive resposta, de nenhuma fonte, só o medo deles me fotografarem.


A rua não estava muito movimentada. E era, incrivelmente, organizada. Talvez por causa desses incovenientes passárinhos.


Achei melhor, naquele momento seguir com calma. Exatamente não sabia aonde ir, mas era ali que queria chegar. Olhei para o lado e abaixei um pouco o vidro. Um vento calmo e quente bateu no meu rosto e logo correu para dentro do carro. Como se quisesse se tornar um passageiro. Um aventureiro. Varreu todo o interior do carro e se mesclou ao cheiro velho de outrora, e apartir daquele momento, não soube mais destinguir quem nos acompanhava.


Jim riu enquanto eu abria o resto do vidro. Coloquei meu braço pra fora e brinquei com o vento. Era tão diferente. A noite era quente. A noite estava quente. Os postes de luz amarelo-sujo pingavam por toda a estrada que parecia se extender em um infinito triste.


Os prédios incrivelmente organizados, de tamanhos únicos começavam a aparecer ao meu lado. Eram iguais. Estranhamente iguais. Decidi olhar mais de perto. Era tudo tão diferente ali.


Procurei por um retorno que me levasse a algum daqueles conglomerados de prédios. Não foi muito dificil achar um retorno, mesmo que tivesse que dar muitas e muitas voltas e passar por baixo do pequeno viaduto.


Após passar uma rua repleta de mercados, e mais alguns retornos, chegamos a entrada daquela especia de condominio. O estranho era que toda entrada tinha uma banca de revistas logo na entrada. Genial!


E um pequeno complexo de estrada que levava aos diversos prédios - todos com a mesma cara e tamanho. Resolvi seguir uma das estradas e ver onde dava. Não muito tempo depois cheguei ao fim da estrada. Dava no pé de um prédio que tinha um enorme e verde "B" gravado na sua parede. Carros e carros estacionados logo na frente do prédio e a sua frente um pequeno parquinho.


Olhei para o parquinho com certo ar de dúvida. Parei o carro perto e desci. Jim mantinha-se calado. Talvez de cansaço.


Aquele conhecido vento quente bateu em meu rosto e trouxe um cheiro de gosto duvidoso. No momento não soube dizer se gostei ou não, mas que me mantinha alerta a sua origem, ao que realmente era.


Olhei para o parquinho. Os brinquedos me eram estranhamente familiar. Pintados demonstravam claramente a intenção de mascarar sua real idade com aquela tinta que já descascava da maioria dos brinquedos. Avancei alguns passos em direção ao parquinho e parei. Senti a nostalgia me segurar pela mão e me levar contra minha vontade o resto do caminho em direção ao parque.


E o cheiro mantinha-se impregnado em minhas narinas. Enxeu meus pulmões com um prazer desconhecido que surtiu logo um sorriso tímido em meu rosto. Eu já estive ali. Brinquei ali. Olhei para o lado segurando a cabeça como se querendo negar o que vinha tão subitamente e real em minha cabeça.


Foi quando a vi. Era enorme. Extensa. Seu tronco se misturava ao que parecia enormes cipós que desciam dos incontaveis números de braços folheados de um verde vívido e intenso. Enorme. As poucas folhas que haviam se soltando formavam um tapete alaranjado e seco aos seus pés, algumas grossas raízes saiam do chão e rasgavam aquele belo tapete demandando algum espaço que as entranhas da terra já não podia conter. Era uma árvore onipotente. Não havia outra ali como ela. Nem tão triste como ela, nem tão feliz como ela, nem tão velha como ela.


Havia um pequeno buraco no seu tronco, não parecia ter sido feito por alguem. Os enormes cipós contornavam perfeitamente a entrada. Mas pequena de mais para um homem entrar. Talvez uma criança. Mas a aura assombrosa que emanava, mostrava claramente a virgindade daquele buraco de fundo negro.


Um medo me tomou. Um infantil medo dela me tomou. Não era um medo desconhecido. O parquinho vazio fez barulho, como se habitado e feliz. Pude ouvir as correntes do balanço e o roçar de um corpo descer o escorregador. E o cheiro, por fim, mostrou sua cara. O cheiro de um lar.


- Estou em casa... - sussurrei ainda segurando a cabeça e com os olhos semicerrados -.

8 de jan. de 2009

Capuccino - 8ª Parte

Começamos nossa jornada. No primeiro minuto da viagem ficou um silêncio meio constrangedor. Acho que isso deve acontecer com toda dupla que entra em ação. Não saber exatamente o que fazer.


- Cara, lembra aquela vez, uns dias antes do natal. Paramos em um sinal, você tava indo comprar o presente da molecada - atrasado como sempre - e em um sinal paramos do lado de um carro, azul, ano dois mil. E você, ao olhar pro lado viu aquela mulher? Aquela!


Revirei um pouco a memória, "Aquela". Foi quando, em um solavanco ela me voltou a memória. Como em um passe de mágica, algo que tinha acontecido ha uns cinco anos atrás, voltou em minha mente como se fosse ontem. Nítido como ha poucos minutos.


- Caraca Jim! Lembro sim! Aqueles olhos tímido, um azul tímido tão penetrante que me senti revirado ali mesmo. E ela sorriu pra mim você lembra?!


- Se lembro, quando ela deu aquele sorrizinho maroto pra você, você retribuiu mas logo virou a cara. Muita mancada meu! Ela deu maior mole pra você. E você ainda meio sem graça, olhou de novo e ela continuava ali, olhando pra você e sorrindo.


- É... Foi quando o sinal abriu, eu fui... Ela se foi.


- Os dois dias depois você fez aquele mesmo caminho, aquela mesma hora, na esperança de encontra-la.


Rimos com descontração.


- Alias! A primeira vez sua e da Ana foi aqui mesmo! No banco de trás!


- Puta merda! Se me lembro! E como me lembro! Conheci ela em um boteco... Como ela era bonita ha um tempo atras... Aquele sorriso que ela me lançou foi fatal. Usei o de sempre: "Vem sempre aqui?", me faz parecer tão velho. Papo vem, papo foi. Ela pediu uma carona...


- Foi quando as coisas esquentaram. Cara, ela era atirada, cruzou aquelas pernas, foi quando te fisgou totalmente.


- É... Demos um puta beijo. Estacionei em baixo de uma árvore e fomos pro banco de trás. Fodemos feito dois cães selvagens.


- Foi quando ela engravidou né?


- Foi. Aquela vadia me fez casar com ela. Mas também, com aquele pai de merda - era casamento ou caixão. Me pergunto agora, fiz a escolha certa?


- Cara! Foi a melhor escolha da sua vida! Desde seus dezoito anos, eu, particurlamente, preferi a foda com a Ana, a Martinha até era fogosa, mas um pé no saco. Sem falar que se não fosse essa sua escolha, não estariamos vivendo essa aventura agora! Não vai me dizer que esta arrependido...


- Não arrependido. Mas as coisas que fiz, me tornam um boa pessoa, ou má pessoa?


- Cara, não tem essa de boa ou má pessoa, a verdadeira escolha esta entre viver ou morrer. Fazemos o que é necessário. E certas coisas são necessárias para nos mantermos vivos... Essa é a moral.


- Olha! Estamos ha cem quilômetros da capital! Mal vejo a hora! E quer saber, você ta certo. Vamos botar pra quebrar!


Rimos como quando nos conhecemos. Era um riso bobo com a malícia dos dezoito anos completos que aquele carro, daquele dia em diante, iria me proporcionar. Sacudi a cabeça. E um orgulho me tomou de surpresa.


Acelerei e Jim gritou.